segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A greve dos cem dias

Falta de acordo com MEC leva professores à maior paralisação desde 2001

RIO - Os professores das universidades federais enfrentam a maior greve em 11 anos, deflagrada há 98 dias. Das 59 instituições, 53 estão paradas. Desde 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso, uma paralisação dos docentes não atinge tantas universidades por tanto tempo. Separados por mais de uma década, os dois movimentos só têm a longevidade em comum. No passado, os principais motores do movimento eram o arrocho salarial e falta de investimento nas universidades. Agora, a luta é por um novo plano de carreira e por melhores condições de ensino, principalmente nas novas unidades criadas a partir de 2007, dentro do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).

As vagas oferecidas mais que dobraram, e o número de municípios atendidos por universidades ou institutos federais pulou de 114, em 2003, para 237, em 2011. A oferta cresceu, e os problemas acompanharam. Espalham-se pelo país instalações provisórias em contêineres, e faltam laboratórios e material para aulas. Ao mesmo tempo, os professores são uma das poucas carreiras do serviço público que não foram reestruturadas durante o governo Lula.

— As condições de trabalho com o Reuni, em 2007, pioraram muito, porque a contratação de professores não ocorreu no mesmo ritmo da expansão. Houve uma precarização do trabalho docente, há locais onde os professores dividem a mesma sala de aula, não têm laboratórios para desenvolver pesquisas. Sobre esse ponto, o Ministério da Educação (MEC) nem marcou uma mesa de negociação. O governo quer acabar com a greve vencendo pelo cansaço — critica Marinalva Oliveira, presidente do Sindicato Nacional dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior (Andes).

O governo é duro na negociação e fechou um acordo com o ProIfes (Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior), que representa apenas oito associações de docentes. Pelo texto, os professores receberiam reajustes que variam entre 25% e 40%, parcelados até 2015. Contudo, o aumento tem como salário-base os vencimentos de 2010, e a proposta não considera a inflação.

Para o Andes, haverá perdas salariais, já que o Índice de Custo de Vida (ICV) do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) prevê uma elevação de 35,5% no período. Além disso, o aumento mais robusto seria dado aos professores titulares, que são minoria. Já o presidente do ProIfes, Eduardo Rolim de Oliveira, defende o acerto com o governo e alega que foi “a melhor proposta recebida” entre todas as categorias. Para ele, o contexto atual é muito diferente do de 11 anos atrás.

— Antes vivíamos um período de arrocho salarial fortíssimo. De julho de 2010 para cá, temos o melhor salário que já tivemos, está bem menos defasado — diz.

Na quinta-feira, o Andes deu sua última cartada ao fazer uma contraproposta que pede apenas a reestruturação da carreira. Qualquer mudança desse tipo deve ser encaminhada até a próxima sexta-feira para valer a partir de 2013, e o governo não parece disposto a voltar às conversas.

Com a mesa de negociação encerrada pelo MEC e a oposição entre os dois sindicatos, houve uma radicalização do movimento. Mesmo em universidades controladas pelo ProIfes, há casos em que os professores decidiram continuar a paralisação. Assembleias lotadas e votações acirradas colocaram em rota de colisão diferentes visões sobre a luta dos docentes e o próprio modelo de carreira dos professores.

Na UFRJ, estudantes e professores favoráveis à greve chegaram a fechar a entrada do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), no Centro, para impedir que as aulas do curso de História fossem retomadas. O professor e historiador Francisco Carlos Teixeira classificou a atitude de “desrespeito”. Para ele, as propostas defendidas pelo sindicato não o representam, assim como diversos outros professores.

— O discurso sindical é de isonomia na carreira, iguala mérito e tempo de serviço. Mas aqui não é o lugar da isonomia. A universidade é um espaço garantido para o mérito e a produtividade. Precisa-se muito de inovação e tecnologia, e um lugar onde as pessoas progridem por tempo de serviço é um desestímulo total.

O professor da Faculdade de Educação da UFRJ, Marcio Costa, também contrário à greve, vai além. Ele diz que é necessário repensar o financiamento e a estabilidade no emprego.

— Sou contra esse modelo de estabilidade no emprego que nós temos, contra um plano de carreira nacional. Isso é um freio para a universidade. Há uma fantasia de se achar que todas as universidades federais no Brasil podem ser de ponta, mas em nenhum lugar do mundo é assim. O orçamento também não devia ser todo de recursos públicos. Quem pode deveria pagar — defende Costa.

Na proposta de carreira do MEC, estão previstas avaliações dos docentes para que haja progressão, e não apenas o tempo de serviço como deseja o Andes. As regras serão definidas por um grupo de trabalho que ainda será nomeado. Para Marinalva, o plano do sindicato torna a carreira mais atrativa para jovens doutores.

— Hoje, dois professores com a mesma função tem uma valorização diferente. Por isso queremos que a passagem entre os níveis tenha o mesmo percentual e a gratificação por titulação seja incorporada ao salário. Hoje, a carreira não atrai os mais jovens. É preciso que, quando ele entrar, saiba onde pode chegar — afirma a presidente do Andes.


Fonte: O Globo (25/8/2012)

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